Na era dos super-heróis no cinema, é fácil avaliar uma coisa: densidade definitivamente não é a alma do negócio. Verifica-se, assim, o fato de que o público tende a rechaçar as histórias que não hesitem em colocar coisas demais acontecendo num filme. Este, por exemplo, foi um dos maiores erros de Batman vs Superman: A Origem da Justiça. Divida o público ou não, não custa perceber que uma reação dividida é indesejável. Filmes que custem centenas de milhões e que tenham anos de produção e organização foram feitos para serem unanimidades.
Nada menos do que isto.
E neste cenário, a Marvel Studios tem cumprido um papel absolutamente protagonista. Nos filmes do “lado vermelho”, temos uma esmagadora maioria de longas que priorizam setar personagens e suas histórias. Porém, sempre esteve na reunião de heróis em confrontos cultivados ao longo de alguns anos, subliminarmente, durante estas mesmas tramas, a cereja do bolo.
Por exemplo: Thanos, cuja guerra de culminação acompanhamos em Guerra Infinita e Ultimato, é ameaça ao universo desde 2012. Neste ano, o Titã apareceu pela primeira vez numa cena pós-créditos de Os Vingadores. Então, prometido, foi cumprido: vimos o tamanho do evento alguns anos depois. Thanos chocou o mundo com sua força e deixou o público ávido por mais. Ou seja…
Ao ser assado da forma correta, o bolo só cresceu.
Mas infelizmente não é assim do outro lado da avenida.
Warner e suas complicações
Muito em função do sucesso que não veio a cavalo como esperado, a Warner Bros. pavimentou um caminho de desorganização. No “lado azul”, o mero improviso parece constar desde a gênese. E a própria adoção desse tipo de critério, que busca primeiro reunir heróis para só depois explicá-los, já é controversa por si só.
Daí, é como dizem: sempre pode piorar.
Se depois da Era Snyder na direção dos filmes da DC ao menos existem pessoas no comando viabilizando outros filmes, como Walter Hamada, a falta de comando e blindagem da produção continuam muito claras. A prova disso é a quantidade absurda de rumores descabidos, que permanecem sem qualquer confirmação. E quando o problema não é o rumor, o “vilão” então passa a ser a quantidade crescente de projetos que surgem quase à boca pequena.
Quer ver?
O que foi feito dos longas de Asa Noturna, Tropa dos Lanternas Verdes, Batgirl e Exterminador, já anunciados aos fãs? Qual o plano concreto para os filmes spin-off?
E isso continua: por que será que este tipo de decisão é tomada logo quando o mundo abraça trabalhos mais longos? Qual será a grande dificuldade em se organizar uma subtrama entre alguns filmes, que componham arcos e deem ao público uma sensação de continuidade, se esse tipo de projeto é inacreditavelmente desbaratado tão cedo?
Que receita é essa que não decide que ingredientes levará o bolo?
Qual será o grande benefício que filmes que não se relacionam com os fãs trazem a eles, quando basicamente o mesmo público dá bilhões à lógica contrária nestes mesmos tempos?
São ou não são dúvidas demais?
Aquela ideia que ninguém entende
Nessa conjuntura, tivemos recentemente algumas confirmações para o longa de The Batman. Aqui, após a saída de Affleck, era natural que procurassem não substituir o Morcego de Gotham por outro ator de momento semelhante na carreira, já que a interpretação do mesmo se tornou aceita e bastante particular. E então, foi escalado Robert Pattinson para o papel e, até pelo tamanho do personagem, o Fandom no geral se tornou curioso para vê-lo trabalhar. O cineasta envolvido, Matt Reeves, é alguém bastante aprovado pelo público especialmente pelo trabalho recente, na franquia Planeta dos Macacos. E quando ele decide cuidar do script pessoalmente, todos damos um voto necessário de confiança per se.
Mas de novo, nem tudo são flores: começaram a borbulhar na imprensa, entre rumores e contestações, ideias sobre uma “plurivilania” no filme. Charada, Pinguim, Mulher-Gato, Vagalume, Chapeleiro Louco, Duas-Caras…
Gente, peraí: a ideia ainda era tornar o filme uma voz sobre uma das características mais importantes do Batman, a qualidade de maior detetive do mundo? Afinal, causa estranheza estudar o passado recente da DC e verificar que a ideia permanece sendo essa. É óbvio que são vilões demais para um filme só. Então, Matt Reeves terá um trabalho muito grande em retirar de um só filme essa ideia de densidade, tão patente à essa altura. E nem a ideia de ser só a introdução de uma trilogia se justifica.
São como ingredientes exóticos numa estratégia que precisa conquistar o público. Por que não simplificar e usar sabores consagrados?
E por que a falta de iniciativa de compreender seu próprio público? Ou ao menos se aproximar dele?
E o que pode dar certo, ou errado, nestes filmes?
A resposta para o excesso de dúvidas nunca pode ser criar mais dúvidas. Ou pode?
Narrativa e historicamente falando, mais básica foi a trama de um filme de universo compartilhado, maior é a chance de aceitação. E isso vale para um filme de origem ou algum com um personagem já iniciado. Ficou meio vago? Pois é simples. Pode dar errado inserir tantos vilões num lugar onde cada um deles precisa de seu próprio espaço, evolução e personalidade desenvolvidos. E pode complicar mais ainda se a ideia for a de se construir características demais (características são como cheques: sempre precisamos acessá-los depois).
E calma: claro que é corajoso um filme Noir e de orçamento limitado ser contado para um herói que, ultimamente, só tem sido representado por Blockbusters. Além disso, com influências confirmadas de Hitchcock, a profundidade da trama e a significância dramática e humana deve estar garantida.
Contudo, é necessário avaliar essas possibilidades sob a perspectiva de que o tabuleiro para o bolo é instável.
A Warner, base na qual se pretende montar esse universo de cinema, é uma produtora única. Notavelmente, ela faz vários tipos de conteúdo para todo tipo de público. E, irritantemente, trata-se da mesma produtora que opta por não se arriscar ao não montar um universo compartilhado de verdade. Se a ideia é a de fazer crescer a sua visão de cinema, não faz sentido não ouvir o público. E faz ainda menos sentido não estudar as próprias ações. Afinal, é o espectador que, no fim das contas, comprará seu ingresso de cinema confiando nelas.
Faz bem à doceria vender mais bolos. Porém, eles precisam ser realmente bons. Dessa forma, todos vamos querer um pedaço.