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Crítica | Música

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Confesso que nunca fui fã de filmes feitos para a TV. Com a era do streaming, isso também não mudou. Claro, há exceções, mas a regra ainda não foi quebrada. Fico feliz em dizer que Música de Rudy Mancuso é uma dessas exceções. O filme, que teve sua estreia em março no SXSW, chegou ao Prime Video no dia 4 desse mês.

O longa é baseado na vida do diretor, roteirista e protagonista Rudy Mancuso, como já vemos no famoso “baseado em uma história real”. O artista não faz questão nenhuma de criar uma ilusão criativa para a produção, na verdade ele mostra o oposto quando seu protagonista tem seu próprio nome, sua mãe interpreta a mãe do personagem e por aí vai. Para quem já conhecia o youtuber, fica fácil reconhecer sua história ali.

Rudy, o personagem e o artista, possui sinestesia – uma condição neurológica que faz com que os sentidos se misturem, por exemplo, o gosto com o cheiro. No filme, assim como na vida real, o artista ouve os sons de maneira diferente, como ele mesmo disse em várias entrevistas para promover o longa. Um simples som de garfo batendo no prato ou uma vassoura passando no chão viram música na sua cabeça.

Essa é a vida de Rudy (utilizarei Mancuso para me referir ao artista), um garoto de Newark em New Jersey filho de uma brasileira. A condição afeta a vida do protagonista, que em momentos aleatórios perde-se no musical da sua mente. Mancuso abraça a criatividade para mostrar em tela como a condição funciona para ele e abraça ainda mais forte sua brasilidade.

 

Rudy e seu fantoche

É legal vermos nossa cultura ganhar destaque no cinema hollywoodiano desta forma. Estamos acostumados com os latinos sempre representados apenas por mexicanos ou até mesmo europeus, já que para eles são “tudo a mesma coisa” (inclusive, a quantidade de personagens brasileiros interpretados por atores de outras nacionalidades é grande no cinema estadunidense – vide a atriz espanhola Elsa Pataky interpretando a policial brasileira na franquia Velozes e Furiosos ou o mexicano Adan Canto interpretando o herói brasileiro Mancha Solar em X-Men). A propósito, o próprio longa brinca com isso na cena em que Rudy vai jantar com os pais da sua namorada norte-americana.

Desta vez , temos um brasileiro de verdade no papel, ou melhor, nos papéis. Além de Mancuso, Camila Mendes (de Riverdale),  que também é filha de brasileira, é a parceira de Rudy. Assim, o longa usa com propriedade o português brasileiro, aliás, Maria, a mãe do personagem, tem a maioria de suas falas no nosso idioma e faz o papel típico de qualquer mãe brasileira, sempre preocupada se o filho comeu ou não. E é ainda mais satisfatório ver um português claro e não aquela enrolação que mal dá para entender de atores que falam espanhol tentando parecer português.

Maria e Rudy

Deixando um pouco de lado essa comemoração do fato de vermos a veia brasileira bem feita, Mancuso faz um filme com muita inteligência e empenho. A comédia romântica e o coming-of-age são gêneros já consagrados e o artista multitarefas utiliza isso a seu favor, sabendo usar os clichês para oferecer outras respostas e saídas para as situações que nós já vimos em diversos filmes – o que, para mim, é o ponto alto do filme.

Enquanto o personagem tem dificuldade com sua vida romântica, ele faz seu trabalho com fantoches no metrô, novamente outra paixão de Mancuso. Sua namorada não entende e nem ao menos se esforça para entender sua condição ou seu amor por fantoches, mas tudo muda quando Rudy conhece Isabella, a personagem de Camila Mendes, que logo mostra um interesse muito maior pela vida do protagonista e tenta, mesmo que sem sucesso, entender sua mente musical. Entretanto, Rudy fica dividido entre a culpa e a paixão e acaba se envolvendo com as duas mulheres ao mesmo tempo.

Nesse impasse, Música nos apresenta uma boa montagem de passagem de tempo, de angústias, de encontros de casais e temos a cena dos restaurante; uma das melhores cenas do filme, que é provavelmente algo que já vimos mil e uma vezes, mas é feita com tamanho cuidado e criatividade, que encanta. O protagonista que encontra suas namoradas no mesmo local e tem que lidar com isso é um clichê clássico, mas Mancuso consegue tirar algumas coisas novas da dinâmica – como a conversa musical com o tecladista do bar que percebe o que está acontecendo.

E falando em musical, todas as cenas em que vemos como o mundo funciona para Rudy são bem pensadas e bem coreografadas ao som de ritmos brasileiros. Porém, se tratando de ritmo, é curioso que o filme tenha seu maior problema no ritmo de condução, principalmente na primeira metade que por vezes parece meio truncada. Talvez por ser seu primeiro longa como diretor, esse seja o problema primário, mas não é nada que atrapalhe a experiência.

Música, além de uma comédia romântica, também é um musical, que enlaça a cultura brasileira e nos dá um prato cheio de criatividade e diversão. Mancuso estreia na direção com um belo fruto, uma boa história e um futuro promissor no cinema.

Fiquem ligados no Mestre para mais críticas!

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