Em compreensiva entrevista para o New York Times, Zack Snyder, o polêmico diretor de Homem de Aço (2013), Batman vs Superman: A Origem da Justiça (2016) e de Liga da Justiça (2017) endereçou várias questões comuns aos debates que levam seu nome.
Confira os principais pontos abaixo.
Warner
Primeiramente, o diretor confirmou que a quebra de confiança por parte da Warner apareceu ainda na produção de Batman vs Superman.
“Definitivamente, houve uma mudança na confiança que eles tinham, e acho que isso continuou se multiplicando à medida que avançávamos. Eles tinham essa propriedade intelectual gigante e sua confiança na minha forma de ver as coisas havia diminuído.”
No entanto, Snyder ainda reiterou que sua saída da produção de Liga da Justiça foi de sua própria vontade, apontando os motivos:
“Absolutamente. A decisão de sair foi totalmente minha. Eu sabia a luta que iria enfrentar com a Warner. E minha família precisava de mim, e eu precisava dela. Eu estava lutando em casa e, em seguida, ir para o meu local de trabalho e ter um segundo enfrentamento parecia uma coisa ultrajante a fazer a mim mesmo e aos meus entes queridos.”
Snyder Cut
O diretor também explicou que, inicialmente, pretendia que ninguém visse a sua versão do longa de 2017:
“Quase todos os filmes que eu já fiz possuem uma ‘versão do diretor’. Quando eu disse, “OK, terminei”, eu [disse] a um dos editores com quem trabalhei [Carlos Castillón, editor de vídeo que também trabalhou em A Hora do Rush e em Homem de Ferro 1 e 2]: ‘organize as coisas da melhor forma que puder e dê para mim’. Um bando de amigos do meu círculo íntimo que trabalharam no filme sempre falavam sobre, ‘Oh, talvez nós apenas jogássemos um pen drive em algum lugar e deixássemos um ‘fã’ [ele faz aspas no ar] encontrá-lo’. E eu pensei, ‘okay, isso é engraçado, mas acho que é melhor se apenas viver como uma coisa que ninguém nunca verá’. Eu perdi meu apetite pela luta.”
Joss Whedon, que acabou finalizando e mudando o filme de 2017 cumprir com as expectativas do estúdio, também foi tema. Perguntado se houve um sinal de alerta quando Whedon foi trazido para reescrever a trama, Snyder sinalizou que ficou como um “sinal de perigo”.
“Foi um pouco como uma bandeira vermelha. Eles pensaram: ‘Nós achamos que aumentar o humor e fazer mais coisas divertidas será ótimo’. Eu estava tipo, ‘Hmm, estou feliz em gravar uma cena, se vocês tiverem uma boa ideia’. Nós chutamos um monte de escritores diferentes e eles vieram com Joss. Ele é um escritor talentoso, não há dúvida. Mas eu realmente não entendi o motivo. E então quando eu estava tipo, ‘eu terminei, eu não posso fazer isso’, eu sinto que eles estavam oferecendo Joss como o finalizador de fato.”
Questionado quanto a se eram intencionais as pistas disparadas aos poucos pela rede social Vero, por exemplo, Zack esclareceu que foi muito mais um tiro no escuro do que uma tentativa concreta de obter sua versão do diretor viabilizada e confirmada em 2020.
“Estava mais para eu apenas me divertindo no Vero com meus fãs. Achei que algum dia haveria uma versão disso em que o grito de guerra dos fãs ficasse tão alto que uma grande empresa como a WarnerMedia consideraria isso uma opção? Absolutamente não. Eu pensei que talvez em 10 anos, poderia haver uma versão em DVD onde eles poderiam pensar como, ‘Ei, talvez valha alguns dólares se enfeitarmos o Snyder Cut’.”
O diretor também refletiu sobre o que a oportunidade trazida pelo advento da plataforma HBO Max acabou trazendo para si:
“Eu agradeço isso, eu realmente agradeço. Este filme não existiria se não fosse pela HBO Max; sou eternamente grato por eles. E a experiência de visualização ainda é de altíssima qualidade. Depende muito da sua TV. Tem a mesma proporção de ‘First Cow’ [filme de 2020]. Esses dois filmes compartilham algum DNA comum, eu acho. [Risos] Eu realmente gostei de ‘First Cow’, na verdade. Eu adoraria isso em um filme duplo, ‘First Cow’ e a versão de Snyder de Liga da Justiça.”
Marvel
Snyder também falou sobre o trabalho da Marvel Studios. O contraste entre o trabalho da empresa subordinada à Disney, dominante no mundo do entretenimento cinematográfico desde 2008, e o seu, é alvo de intensos debates entre os fãs e interessados em cultura pop. O diretor de Batman vs Superman expressou imensa admiração e respeito pelo principal e multibilionário trabalho da Casa das Ideias na telona, confirmando que sua intenção sempre foi a de contrastar:
“Eu sabia disso antes de ‘BvS’, quando fizemos Homem de Aço (2013). A Marvel está fazendo outra coisa. Eles estão fazendo, no mais alto nível, esta popular comédia de ação com um sentimento. E eles arrebentaram nisso. Um esforço para duplicar isso é uma loucura, porque eles são muito bons nisso. O que a DC tinha era mitologia em um nível épico, e íamos levá-los nesta jornada incrível. E francamente, eu era o único a dizer isso.”
Zack também falou sobre adotar a visão da Marvel em seus filmes:
“Não, de forma alguma. Eu não sei como fazer diferente do que fiz. Um diretor tem uma habilidade – seu ponto de vista. Isso é tudo que você tem. Se você está tentando imitar outra maneira de fazer um filme, então você está em uma ladeira e acaba escorregando.”
Perguntado se vê os personagens da DC em um nível gigante, como os personagens de Wagner em O Anel de Nibelungo, ou de J. R. R. Tolkien em O Senhor dos Anéis, o diretor foi taxativo quanto ao respeito que tem pela mitologia decenauta:
“É óbvio que levo esses personagens e sua mitologia muito a sério. Eu quero que eles sejam totalmente realizados como personagens, existindo naquele mundo. Não acho legal se divertir às custas deles. E houve uma visão que tivemos, um universo completo, totalmente desenvolvido, que realmente queríamos levar até o fim.”
Zack também falou sobre a relação entre as memórias negativas trazidas pelo filme e o quanto ele mesmo saboreia o momento:
“Apenas no sentido de que acontece três anos depois, e aqui estou eu lançando uma versão de quatro horas do filme. Isso realmente mostra que o consumidor não está errado de várias maneiras. ‘Eles não aguentam mais de duas horas, eles vão enlouquecer.’ Eles foram subestimados, o próprio público.”
Duração
Snyder também falou sobre sua ideia de duração do filme de Liga da Justiça em comparação com os anteriores.
“Meu ponto de vista é que o filme deve ser cerca de 20 minutos a mais de cada vez. Batman vs Superman (2016) deveria ser 20 minutos a mais do que Homem de Aço (2013) e Liga da Justiça (2017) deveria ter cerca de 20 minutos a mais do que BvS. Achei que o filme deveria estar um pouco mais próximo das três horas quando o comecei. Eu sei que é permissivo. A verdade é que provavelmente há cerca de dez Snyder Cuts – há uma versão mais longa do que a versão de quatro horas. Existe uma versão de três horas. [Outra de] Duas horas e vinte. Acho que mostrei ao estúdio duas horas e quarenta minutos. E então mostrei a eles cortes subsequentes de duas horas com trinta minutos, com vinte e oito minutos e com vinte e dois minutos.”
O diretor também explicou como tinha tanto material para um filme de quatro horas:
“Eu faço isso [filmar muita coisa] em todos os filmes. Costumo filmar muito, mas é feito com muito cuidado. Não se trata de meramente obter uma segunda câmera. Tudo é pensado de forma muito metódica. Quando me sento para desenhar o filme, ele é diferente do filme que o estúdio quer ou do que todos conheçam.”
Elenco
Snyder também falou sobre o retorno dos intérpretes dos personagens ao filmar um final totalmente novo para o longa.
“Eu os adicionei porque este seria o último filme que eu faria para a DC e ter todo esse universo cinematográfico sem Batman e Coringa se encontrando era estranho. Jared [Leto, intérprete do Coringa] e eu conversamos muito sobre isso. Eu tinha mencionado isso para Ben [Affleck, intérprete do Batman] e pensei, ‘Ben, vamos apenas fazer isso na minha casa. Eu poderia filmar no quintal. Não diga ao estúdio e eu não vou pagar a vocês. Eu vou filmar sozinho.'”
E o diretor explicou que isso não foi necessário, já que acabou dando tudo certo:
“O que aconteceu é que deu certo e fomos capazes de fazer isso de verdade. E então eu chamei o resto dos membros do elenco e disse: ‘Ei, vocês poderiam vir e fazer isso’.”
Se o Ciborgue é, conforme vem sendo divulgado, uma parte importantíssima do Snyder Cut, Ray Fisher não deixa por menos. O intérprete do tecnopata da Liga da Justiça tem estado na mídia vociferando contra a Warner e contra um dito tratamento tóxico direcionado a ele e a seus colegas, que lhe são solidários o tempo todo.
Snyder falou sobre isso não ser de seu conhecimento à época:
“Na época, não [sabia]. A última coisa que eles queriam fazer era me ligar, reclamando que eles tinham dificuldade para filmar. Mas, pensando no que aconteceu, me sinto mal por eles terem passado por isso? Eu me sinto mal, sim. Esses caras são meus amigos, são atores incríveis e pessoas fortes. Quero que sejam atendidos e estejam em uma situação saudável. Eu não estava lá, então sua opinião sobre isso provavelmente é quase a minha.”
Questionado quanto ao motivo de ter deixado um cliffhanger no final do Snyder Cut, o diretor deixou claro que foi pedida a sua versão do filme, e depois disso aproveitou pra falar o que pensava de como seria o grandioso final de sua saga:
“[Seria] a queda da Terra, quando Superman sucumbe à [equação] anti-vida. E, em seguida, enviando o Flash de volta no tempo para mudar um elemento para que isso não aconteça. E então a grande batalha em que o derrotamos. Quando [o vilão] Darkseid vem à Terra, no filme que você nunca verá, os exércitos da Terra se unem novamente, como fizeram antes. Desta vez, haveria porta-aviões e caras das Forças Especiais, todos os exércitos do mundo se uniriam, bem como [os companheiros de Aquaman] Atlantes saindo do oceano e compatriotas de Temíscira [local de origem da Mulher-Maravilha] saindo de sua ilha. Esse seria o nosso grande final. Mas há uma longa bateria e um solo de guitarra para chegar lá.”
DCEU
Perguntado se o sucesso de outros heróis da DC explorados em outros tons, como Aquaman (2018) e Shazam! (2019), o incomoda, Zack deixou claro que, na verdade, fica satisfeito, colocando a própria visão de cinema em perspectiva:
“Eu não poderia estar mais feliz. Não dói nada para mim. Esses filmes são legais e são muito bem feitos e excelentes. Mas Batman vs Superman, ame ou odeie, é provavelmente o filme mais mencionado em hashtags e referências. É a coisa mais próxima de um filme cult que poderia existir neste nível da cultura pop. Sou um provocador? Um pouco. É meu trabalho fazer um doce da cultura pop que você come e esquece no dia seguinte? Nah. Eu prefiro ferrar você em um filme do que torná-lo agradável e bonito para todos. Sejamos francos, não existe um culto ao ‘Aquaman’. Jason é uma força da natureza e, sem dúvida, quero que haja cem filmes sobre Aquaman porque ele é um cara incrível. Mas [o filme] não é polêmico. E já que adoro isso, de propósito tornei os filmes difíceis.”
Ele argumenta ainda que pode ser uma função do zeitgeist — o espírito atual dos tempos — a não-aceitação à sua visão de personagens.
“Poderia ser. E está tudo bem, também. Não tem nada a ver comigo. Quando eu fiz Watchmen (2009), é desconstrucionista. É um filme que abre buracos em seus heróis. E Batman vs Superman é a mesma coisa. Significa dizer: ‘Oh, Batman está bêbado e tomando analgésicos e está dormindo com uma garota anônima.’ Ele é uma pessoa perturbada. Ele se veste de morcego e sai à noite e bate nas pessoas. Ele tem problemas. Eu realmente acho que o filme progrediu até um ponto em que todo mundo estava tipo, ‘oh, nós não queremos aquele Batman. Queremos que o Batman seja o monge guerreiro que é legal.’ E eu particularmente estou bem com isso.”
Filmes de super-heróis
O diretor também falou sobre a mudança na direção dos filmes atuais da DC em relação ao que tentou estabelecer:
“Eles estão 100% se afastando [do que ele fez]. Eles consideram a versão de cinema de Liga da Justiça (2017) como a versão canônica. Essa é a decisão deles. Desejo a eles tudo de bom e espero que a coisa toda seja um blockbuster gigante, em cima de um blockbuster, e em cima de outro blockbuster. As estrelas desses filmes são meus amigos, quero que eles sejam prósperos e quero que as pessoas amem.”
Ele também falou sobre se manter fazendo filmes baseados na cultura de super-heróis:
“Eu não penso nisso nesses termos. Foi bom fazer Army of the Dead [um filme de ação sobre zumbis para a Netflix]. Eles apoiaram completamente e foi uma ‘re-imersão’ incrível e catártica naquele relacionamento. Estou tentando montar um filme chamado Horse Latitudes, um filme de orçamento baixíssimo que vou gravar com meus amigos na América do Sul. É sobre a jornada de um homem em seu passado e como a morte molda você. Estou pronto para fazer um filme assim? Eu penso que sim.”
Snyder falou ainda sobre o que o seu corte pode causar na indústria no que diz respeito a ouvir o desejo dos fãs:
“Esta é uma experiência social. Para milhões de pessoas, é, ‘olhe, um filme de super-herói gigante’ – acho que é legal. Mas, para uma grande parte dos meus fãs, ele vem feito sob medida. [Como espectador] você tem a percepção, mais do que nunca, de que o filme foi feito exclusivamente para você enquanto o assiste. É a culminação de toda essa experiência: ‘eu lutei e usei a hashtag #ReleaseTheSnyderCut, e ela está no meu mundo, no meu computador, na minha TV, na minha casa’. Eu não acho que ninguém pode quantificar o que isso significa ainda.”
Encerrando a entrevista, o diretor em seu divertido e habitual cinismo deixou claro que sua vida continua, independentemente do que acontecer com o Snyder Cut. Dessa forma, falou do que fará no dia do lançamento do filme, quando talvez todos esperássemos que ele fosse parar e curtir o momento que foi tão esperado.
“Preciso ir ao dentista no dia 18. É assim que meu dia será.”
Fonte: New York Times