Superman

Crítica | Superman — Humanidade, senhoras e senhores

Compartilhe isso:

Começa o DCU, e chegou a hora de tratar do filme do maior de todos os heróis que existem.

Afinal, todos eles usam, em algum nível, o arquétipo do Superman, em todas as culturas.

E como sempre, é um prazer enorme falar da DC. :]

 


 

ATENÇÃO: O TEXTO ABAIXO CONTÉM SPOILERS!

Mostrar o Homem de Aço esse ano não é apenas um gesto cinematográfico, necessário por conta da nova empreitada da Warner Discovery. É bem mais do que isso: parece com uma decisão cultural. O maior arquétipo de herói dos quadrinhos retorna em Superman (2025) em um mundo muito polarizado, desconfiado de absolutos e surpreendentemente cínico com salvadores. James Gunn, agora à frente deste novo DCU com Peter Safran e dirigindo o longa, carrega nas mãos não só um personagem, mas um símbolo que já foi esperança durante a Grande Depressão, propaganda americana na Guerra Fria e objeto de intensa desconstrução nas últimas décadas.

O resultado desse retorno é um filme que, mesmo tropeçando em ritmo e foco, faz uma aposta corajosa na esperança como linguagem narrativa — e isso, em si, é revolucionário em 2025. Não se trata de um retorno cego ao passado, porque tal escolha seria anacrônica, mas de uma tentativa de reapresentar o arquétipo num mundo que o utiliza diuturnamente. Talvez o maior acerto de Gunn seja reconhecer, com humildade, que esse personagem é muito maior do que qualquer filme que tente contê-lo. Justamente por isso, sua tentativa nunca alcança plena maestria — e nem precisa. Afinal, como descrever com exatidão o infinito ao qual não conseguimos chegar?

James Gunn, mas diferente

James Gunn, chefe da DC, detona participações especiais em filmes de heróis  - Observatório do CinemaUma das evidências dessa postura está no fato de que James Gunn que, apesar de tão presente, não é exatamente o mesmo Gunn de seus filmes anteriores. Ele entrega muito sarcasmo, mas não aquele habitual, já que reduz a zona cinza onde seus alvos de piada repousam. É assim: ainda que haja humor, ele se mostra submisso ao tom geral. Há um idealismo que nunca soa bobo, mesmo quando flerta com a ingenuidade. Superman se apresenta aqui como símbolo do que é possível — um exemplar daquilo que ainda pode ser — e não uma farsa do que já foi.

A estética do filme reflete essa visão. A paleta de cores, menos saturada do que o esperado, aponta para um universo que ainda não se reconstruiu — mas tenta, com muito custo, trazer um novo capítulo. A trilha sonora carrega uma carga emocional discreta, mas persistente, evocando as mesmas frases melódicas do eterno tema de John Williams. Gunn parece compreender que, em 2025, não se inspira com gritos, mas com presença e alguma nostalgia. E o filme aposta nesse silêncio ativo, nessa postura de escuta antes da ação.

Ele é relacional

Kal-El (David Corenswet), neste novo olhar, é emocionalmente acessível. Em vez de imponente e posudo, como no falecido DCEU, ele é mais presente. Mesmo distante, ele escuta. E não vê distinção entre o ser humano e o animal em perigo. Há um esforço nítido em fazer o espectador se conectar com o homem por trás do mito, sem jamais banalizá-lo. A atuação entrega isso com competência: gestos contidos, expressões frágeis e cenas de silêncio bem aproveitadas.

Esse Superman é épico porque é relacional. Um herói que não comanda com poder, mas alcança com decência, é ainda maior — justamente por estar em falta. Mesmo nas cenas mais convencionais, o olhar de Clark sugere dúvida, discernimento e freio — o contrário da impulsividade que define tantos super-heróis da última década. Como ele mesmo admite, “estraga tudo o tempo inteiro”.

Humanidade, senhoras e senhores. “Muitos permanecem bons nesse mundo”, sim.

Os personagens

Entre os coadjuvantes, Lois Lane é (interpretada pela belíssima Rachel Brosnahan) um dos pilares do filme. Sagaz, independente e com iniciativa que não depende da narrativa masculina, ela assume papel de agente de tensão e investigação moral. É ela quem empurra a trama e, ao mesmo tempo, o próprio Superman a ser mais humano. Já Lex Luthor (Nicholas Hoult, o Fera de X-Men) cumpre sua função, mas ainda não alcança o status simbólico de vilão ideológico. Sua inteligência quase alienígena está presente e bem trabalhada, mas seus defeitos aparecem como combustíveis — e ele não tem vergonha disso.

Jimmy Olsen (o ótimo Skyler Gisondo) tem tempo de tela que podia ter sido maior, o que enfraquece levemente a exploração da amizade com Clark. Os pais adotivos, Martha (Neva Howell) e Jonathan Kent (Pruitt Taylor Vince), são ainda mais humanos que o filho: idosos, bons, inspiradores, fontes de carinho e abrigo. A presença da chamada “Gangue” da Justiça, com Guy Gardner (Nathan Fillion), a Mulher-Gavião (Isabela Merced, a Dina de The Last of Us) e o magnânimo Senhor Incrível (Edi Gathegi) funciona como parte da construção de mundo, preparando terreno para o universo compartilhado, assim como os cameos da Supergirl e do Pacificador.

Faltou respirar um pouco

Superman ganha prévia de quatro minutos com Krypto em ação; assista! -  Jovem NerdAlém dos nomes principais, o povo também assume papel relevante. Em diversas cenas, mesmo diante de criaturas colossais ou acidentes iminentes, nota-se certa ausência injustificada de pânico realista. Ainda que o universo já esteja habituado a meta-humanos, o comportamento da população sugere certo desalinhamento de tom — quase uma anestesia emocional que enfraquece o impacto dramático. Em contrapartida, Krypto, o supercão, é uma das adições mais carismáticas. Ele é muito poderoso demais, divertido demais e absolutamente imprevisível. Sua presença desestabiliza a cena — e justamente por isso funciona. Krypto conforta, pois, mesmo com seus poderes descomunais, insiste em ser apenas um cãozinho.

Do ponto de vista estético, Superman abraça a ambiguidade. Há luzes em abundância: o sol está quase sempre presente como fonte de energia, e símbolo de esperança. A estética é colorida nos personagens, caótica nas cidades, vasta na Fortaleza da Solidão — e, apesar das diferenças, funciona como conjunto coerente. O ritmo é ágil e evita exposições explicativas: certas relações e acontecimentos são apenas sugeridos. O roteiro parte do princípio de que o espectador já conhece aquele universo, e isso o torna dinâmico, mas também tenso. As transições nos acontecimentos finais são rápidas demais, e ainda que a duração de duas horas seja elogiável frente à tendência de longas excessivos, um pouco mais de respiro não faria mal.

O ensaio moral

 

Superman 2025: Everything You Need to Know - 7XS

 

O tema central é claro: ter esperança é um ato político. O filme opõe verdade à fake news transmitida ao vivo, honestidade à simulação e inteligência à força bruta. Ele não apenas reafirma esses valores, mas tenta provar que ainda vale a pena carregá-los. É, enfim, um ensaio moral disfarçado de espetáculo.

Ainda assim, o filme oscila. Em certos momentos, parece não saber o que quer ser. Começa com uma discussão política sobre reputação, passa por uma trama de destruição simbólica (o assassinato de biografia), e termina como um sci-fi de escala megalomaníaca. Essa transição pode soar como ambição — ou como falta de coesão. No entanto, ela abre espaço para que personagens como Lois e Senhor Incrível atuem mais diretamente, algo que não sabíamos que precisávamos.

Apesar das oscilações, o subtexto se mantém firme: o Superman de Gunn não é militarizado, nem hiperpoderoso, nem subordinado a governos ou instituições. Também não é uma vítima. Ele age por convicção ética — não porque deve, mas porque pode e escolhe. Em 2025, é um gesto ideológico mais potente do que qualquer cena de ação — quase um radicalismo heroico.

A beleza real

Superman não é perfeito. O ritmo é irregular, o roteiro oscila entre o foco político e os compromissos de franquia, e alguns coadjuvantes carecem de tempo em cena para realmente despertarem interesse. Mas isso não o compromete, já que funciona por não ter medo de errar. Afinal, errar apenas te torna uma pessoa como qualquer outra — e é nesse ponto que o jogo só começa. Aliás, essa é uma noção que o filme e o super-herói tem em comum, muito claramente, o que é um alívio, visto que a representação anterior desse herói insistia na visão de que ele era uma espécie de divindade por ser poderoso.

Só que bonito, mesmo, é ser assim: humano.

Nota: 9/10

Crítica – Superman (2025) ABC do ABC

Mais conteúdo

© 2024. O Mestre da HQ / Em memória de Juarez Mariano