Crítica | Comando das Criaturas (1ª temporada)

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Sim. A série animada Comando das Criaturas (“Creature Commandos”, dezembro de 2024) acaba, é verdade, por despertar interesse. Inicialmente, por ter a idealização de Gunn e por suas inovações na animação — há inclusive certo nível de conteúdo explícito, o que parece ser uma escolha criativa — e pela escolha dos intérpretes originais, que são os mesmos atores que darão vida aos personagens em Live Action. Há algum ineditismo nisso.

Entretanto, se formos pensar para além dessas novidades, a série apresenta diversas limitações no desenvolvimento dos personagens e na trama, mesmo investindo basicamente em um flashback de personagem por episódio. Com isso, Comando acaba servindo mais como uma introdução não-oficial ao universo cinematográfico da DC (DCU) do que como uma narrativa autônoma, particularmente chamativa e envolvente. Há méritos aqui e ali, mas ela falha ao deixar o espectador desejando por mais profundidade e originalidade.

Esgotamento

Para começar, a caracterização dos personagens é — e isso é indesculpável em 2024, gente — um dos pontos mais fracos da série. Os personagens são apresentados como arquétipos amplamente conhecidos de coisas que já vimos em outros lugares, o que em parte se deve a um certo esgotamento de fórmulas que cerca todo o cinema de super-heróis e afins; mas que, sim, contribui para uma sensação de previsibilidade e baixa autenticidade. E o desenvolvimento não os salva.

Doninha é uma criatura fora da caixinha, destacando-se por sua excentricidade quase caótica e momentos muito humanos, numa verve bem… animal. Essa singularidade é suficientemente explorada para desenvolver o personagem de maneira mais profunda, então há alguma consistência em torno desse personagem ao longo da série, com certeza. A Noiva alterna momentos de vilania absoluta com anti-heroína clássica, então a personagem também é sim muito bem desenvolvida, inclusive ao naturalizar o quanto Frankenstein na série é intencionalmente insuportável.

Creature Commandos S1E3 "Cheers to the Tin-Man" ReviewRobô Recruta, por sua vez, é sistemático e conhecido por seu comportamento absurdamente calmo ao proferir falas inusitadas. Mas devemos dizer: essa característica torna-se um pouco repetitiva e previsível ao longo dos episódios em que ele surge. Ainda assim, apesar de isso ser martelado várias vezes, Robô é interessante e queremos ver mais sobre ele. Doutor Fósforo, um Batvilão, é uma verdadeira armadilha ambulante; enquanto possui claros momentos de sensibilidade, em momentos-chave se mostra desprovido de qualquer empatia real.

Adicionalmente, o papel de Daddy Flag como líder é ambíguo. Sentimos como se ele parecesse estar deslocado na equipe, exceto justamente por sua função de ditar as decisões — como se, na hora H, ele saísse da frente dos monstros. E talvez tenha faltado precisamente o lado monstro desse líder, visto que se trata da Força Tarefa M. Esse papel mal definido faz com que o personagem pareça supérfluo e mal encaixado nas cenas, em muitos momentos.

Nina Mazursky, por sua vez, mantém o espectador em dúvida devido à sua natureza introspectiva e compreensiva; citada por Waller como a personagem consciente de toda a turma, esperamos dela que fosse capaz de influenciar com esses dotes. Enquanto acreditou em sua própria humanidade, ela assustou pelo seu lado monstro, por sua aparência e seu potencial; a doçura de Nina é o veículo que a transporta para perto da audiência. Mas foi justamente quando abraçou seu lado monstro — alguém que deveria influenciar foi influenciada, repare — que o destino a encontraria. Seu final ajuda a série a espetacularizar a tragédia e a violência — aqui, violência não só gráfica, mas das próprias situações a que eles são expostos.

Nerf

Circe

Outro ponto digno de nota é a subutilização e claro enfraquecimento de personagens como Circe. Esses personagens são terrivelmente nerfados e usados apenas como acessórios narrativos, uma perda de potencial considerável para enriquecer a trama. Além disso, a tentativa de atrair o público através da sensualidade — excessiva? — de Ilana, desde o atraente sotaque até a insistência em curvas pronunciadas, pode ser vista como uma abordagem superficial e datada que faz a história, de pouco tempo de tela, perder ainda mais tempo. E indo ainda mais longe: esse uso um tanto gratuito de libidinagem parece muito mais uma tentativa de preencher lacunas narrativas do que uma significativa decisão criativa.

Enfim, se você leu o texto até aqui, está pensando: “o autor odiou Comando”, certo? Errado: tecnicamente, a série é muito boa. A qualidade da animação é um ponto alto; detalhes ínfimos, como os olhos amedrontados do músico vítima de carinhos de Doninha em Pokolistão, não passam desapercebidos. As cenas de ação são absurdamente bem coreografadas e impressionam, então é muito claro o cuidado e a habilidade da equipe de animação. Além disso, a trilha sonora merece destaque, com músicas como a abertura “Moliendo Café” (no cover por Fanfare Ciocarlia) refletindo o ecletismo de James Gunn e da produção. Essa escolha musical ajuda a estabelecer um tom festivo, perverso e caótico que complementa com sucesso a atmosfera da série.

A direção de arte também merece elogios, visto que o design dos personagens e dos cenários é detalhado e criativo. As cores fortes, especialmente nos tons verdes e vermelhos, e os detalhes minuciosos nos cenários contribuem para criar um ambiente imersivo que, por vezes, compensa as deficiências narrativas da série. Pois é: trata-se uma história que não deixa de ter um tema por vezes sombrio, em temas como assédio, Bullying e trauma; mas faz isso com alguma desfaçatez e cinismo, com uma paleta festiva de cores e sob um mote conspiratório.

Um novo mundo

É um pouco difícil pensar se Comando falha em entregar uma narrativa convincente, mas talvez seja disso mesmo que se trate. Depois de tantos anos vivendo pelo pôster e pela aparência, a DC entrega um material capaz de, apenas minimamente, mostrar que existe um novo mundo a ser explorado. Para cumprir com esse objetivo, talvez o necessário sequer seja bom aprofundamento de trama, personagens e claro conflito, já que mesmo com esses problemas, a série não falha em estabelecer quem está envolvido e em quais situações.

A trama parece estar hypando algo maior que nunca realmente acontece, deixando a sensação de que a série é apenas um prelúdio para futuros eventos do DCU — e se formos ver, mesmo, não deixa de ser, então essa é a tese. Essa abordagem pode alienar espectadores que esperavam uma história autônoma e satisfatória, mas não podemos culpar o primeiro projeto de todos os problemas que já vimos na Editora das Lendas nos últimos anos… não seria razoável.

Para o futuro da DC, ou mesmo para a já confirmada próxima temporada, é essencial um cuidado maior no desenvolvimento de personagens e numa história realmente espetacular a ser contada. Só um escândalo justificaria o uso consciente de monstros em um universo onde os heróis já existem. E não precisamos de outra versão de Esquadrão Suicida.

A ausência de uma conclusão satisfatória para os arcos dos personagens podem causar certa sensação de incompletude, mas podemos viver com isso enquanto aguardamos a próxima temporada de Comando das Criaturas.

Podemos falar disso depois? Preciso comprar a passagem para Metrópolis. Julho tá logo ali!

 

Comando das Criaturas está disponível no Max

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