Opinião | 13 Reasons Why sobra nas verdades

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Até que ponto a moral deve superar a motivação para que, no fim, sobre sempre a verdade? E o que deve ser feito num universo ficcional de personagens neste sentido? Para demonstrar ao público que é sempre importante que a verdade apareça, que preço se deve pagar? Quais são as escolhas? O que se espera de um show quando um absurdo moral toma a cena? Com características bastante distintas daquelas estabelecidas, a série 13 Reasons Why (Os Treze Porquês, ou 13RW) traz uma nova roupagem em sua terceira temporada. Aqui, todos aqueles que se importam com os personagens, além dos próprios, devem ficar um pouco mais ariscos. Afinal, ninguém está a salvo.

Este é o caso de Bryce Walker (interpretado por Justin Prentice), antagonista das temporadas anteriores. Desde os trailers, ele foi mostrado como morto. A busca pelo assassino é o chamariz da série, que continua contando com Clay Jensen (Dylan Minnette) como protagonista. Só que, aqui, o título procura estabelecer novos focos de tensão através da personagem Ani Achola (Grace Saif). Ela é a grande novidade, a primeira feminina após Hannah Baker (Katherine Langford) — que quase nem é citada.

gif 13 Reasons Why

 

Tecnicamente impecável

Visualmente, a série marca diferença entre o tempo atual e o flashback na própria edição de vídeo. Enquanto o momento atual é mostrado com as barras pretas, em cima e embaixo do vídeo, todos os retornos no tempo são mostrados em tela inteira na versão tradicional Widescreen. Há ainda uma diferença nas cores; o que é passado é mostrado de forma mais colorida, enquanto o que é atual tem cores mais sóbrias e um visual mais sinistro. Tecnicamente, a série permanece impecável e traz detalhes adicionais em cada abertura de episódio. Na tentativa de se tentar dar unicidade e diferenciação aos capítulos, trata-se de uma proposta bem-sucedida.

 

Excelente contextualização

E não é só isso: a série evolui em outros vários pontos. Principalmente ao tentar passar uma mensagem de que a sociedade, como um todo, sofre consequências através dos atos dos personagens principais. E vice-versa, certo? Isto estende o objetivo da série e a enriquece definitivamente. Até aqui, Evergreen sempre pareceu uma cidade isolada do resto da sociedade, tamanha a artificialidade dos acontecimentos. Agora, contextualizada, a história como um todo fica mais crível. E é aí que, especialmente quando radicais, as escolhas podem ter ramificações muito diversas.

O drama da imigração, por exemplo, é mostrado em dois focos distintos da narrativa. Tanto na família de Ani quanto naquela de Tony Padilla (Christian Navarro), a conjuntura atesta a urgência da discussão da sociedade na política de imigrantes, aceitação e permanência em terras americanas. Se qualquer semelhança é mera coincidência, a incidência da crítica é sem querer… querendo. E aí, trata-se de um comentário que faz sentido, sobretudo com uma abordagem sobre o significado de privilégios e visões de mundo. Não é preciso separar famílias para o desespero tomar conta: a mera ameaça já é capaz de tirar as pessoas do discernimento.

Bullying continua sendo central na interação entre o time de futebol e o restante dos alunos da escola, e a desconstrução do papel de agressor em momento algum soa descabida. Nesse sentido, 13 Reasons Why é uma série que segue sendo única e deve ser elogiada.

 

Evolução inequívoca

A série ainda busca compreender a evolução social dos personagens, enquanto conta ao público quem é o verdadeiro assassino de Bryce. Ironicamente, o personagem também evolui como pessoa, ao ponto de se fragilizar em certas situações. E além disso, se desconstrói, até mesmo como o abusador que foi nas últimas temporadas. O autoquestionamento passa por praticamente todos os envolvidos nos acontecimentos da Liberty High. No entanto, ainda é possível dizer que as dúvidas destacam alguns personagens. Em outros casos, a habilidade investigativa fica forçada. Pode-se dizer que há uma tentativa geral de fechamento de ciclo especialmente para aqueles que outrora tiveram momentos de fragilidade claros. Foi feito um bom trabalho ao abrir opções de desenvolvimento para eles. Essa pluralidade agrada.

Este é o caso, por exemplo, de Jessica Davis (Alisha Boe), que foi violentada por Walker. Aqui, ela se assume, se desenvolve e se descobre como liderança motivacional de todo o grupo de alunos atingidos por abuso. Isso pode ser dito também da trajetória do personagem Tyler Down (Devin Druid). No final da última temporada, ele havia ameaçado compor a triste estatística de assassinatos em massa das escolas americanas por armas de fogo. Termina como um herói. E até uma última ameaça que promete o saculejar de novo, no fim da temporada, engrandece seu curso.

Algo que é contínuo em relação às temporadas anteriores, para a nossa alegria, é que a trilha sonora contribui para passar o ambiente jovial, descolado e adolescente. E isso mesmo diante de acontecimentos importantes e tentativas de se mostrar consequências graves.

Por fim, tudo isso leva a crer que é um acerto da série pensar em situações relevantes para o público, não? Mensagens importantes e positivas foram passadas. Certo?

Errado, especialmente naquilo que é o maior defeito em 13 Reasons Why — e talvez em todas as temporadas.

 

Indecisão à solta

A perversão moral que cerca a definição do assassino de Walker é inacreditável! E o destino do assassino factual, do dito assassino (sim, pessoas distintas) e dos demais personagens da série que conhecem os segredos da trama é absolutamente desnecessário. Entende-se que a série vai fundo ao tentar mostrar que muitas vezes não há uma resolução fácil para os problemas da vida. Portanto, nessa acepção a escolha também é válida.

Só que, mesmo assim, não se pode evitar a voracidade com a qual o destino mexe com os personagens. E nesse sentido a coisa não ficou nada natural. A melhor coisa que provavelmente aconteceu no fim da vida de Bryce foi Ani, e foi exatamente ela quem fez e aconteceu para arestas serem aparadas. E a que preço? Ao preço da verdade, da vida de alguém que, se era criminoso denunciado, era também um ser humano. E que o diga Winston (Deaken Bluman), como disse à Ani. No fim, mas disse.

Talvez essa seja a definição perfeita da série: um material que não se decide. Ora passa uma mensagem importante, ora mostra como as coisas podem ser complicadas; ora parece muito honesta, ora decide abdicar de sua naturalidade.

Mas repare que mesmo não se decidir não precisa ser um ponto contra 13 Reasons Why. Afinal, poucas coisas são mais humanas do que perceber que as encruzilhadas que nós encontramos em nossa caminhada não podem ser resumidas a falsas dicotomias. Não podemos simplificá-las a curvas que vão num rumo ou em outro.

A verdade sobra mesmo assim.

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