O texto a seguir foi escrito por Isabelle de Holanda.
Já é de conhecimento geral que, no mínimo em sua esmagadora maioria, programas que abordam temas históricos possuem uma veia um tanto quanto sexualizada. Com a nova série limitada da Netflix, Os Últimos Czares (The Last Czars no original), não seria diferente. No entanto, o fôlego dos episódios não está nas cenas quentes. Pode-se dizer que ele está na união de drama e documentário na qual o seriado é construído.
Muitas vezes, pessoas menos afeiçoadas a esse tipo de show podem vir a ter curiosidade sobre o mesmo. Aqui, cabe dizer que o tom e a narrativa não deixam o espectador se entediar, e o risco de largar a série no meio do caminho é baixo.
O título acompanha a saga do último Czar da Rússia Nicolau II e de sua família. A trama vai desde a ascensão ao trono com a morte de seu pai até os erros que culminaram na Revolução Russa.
Em alguns momentos, a história parece simplesmente contar um romance. Nicolau e a Czarina Alexandra formaram um dos poucos casais reais que se uniram por amor. No entanto, o tema é abordado justamente para daí em diante justificar, por exemplo, o fato de a imperatriz ter engravidado diversas vezes. E isso, mesmo sem produzir um herdeiro varão nas quatro primeiras tentativas. Aliás, boa parte da carga dramática se inicia de fato com o nascimento do sucessor do trono — o Czarevich Alexei, que tinha hemofilia. O distúrbio, que diz respeito a um problema na coagulação do sangue, aproxima a já religiosa Alexandra do monge Grigori Rasputin.
Afinal, trata-se de um ponto importante não só para compreensão dos personagens, mas bem como da queda da dinastia como um todo.
Dinamismo justificado
O caráter dinâmico deste trabalho o torna facilmente compreensível. Na escola, este tema pode ser prontamente visto como algo nada atrativo, ou até complicado. Ou ainda, quando romantizada (como na animação Anastácia, do final de 1997), é fantasiosa – apesar de a série fazer referência ao mito da princesa perdida. E, neste ponto, a dramatização torna toda a situação mais palatável, até mesmo para os mais leigos no tema.

A ambientação e o figurino em Os Últimos Czares também são pormenores dignos de nota. Isso vale também para vários dos detalhes: desde as roupas reais até as roupas dos camponeses, era clara a preocupação em ficar o mais próximo possível do que era a Rússia no início do século XX.
O processo de escolha de elenco também foi muito interessante na questão da semelhança física. Os atores são muito parecidos com os personagens históricos reais. Não sei se a caracterização ajudou nesse ponto, mas como exemplo: o ator que interpreta Nicolau é assustadoramente parecido com o mesmo. E as imagens mostradas na abertura e ao longo do seriado só comprovam o fato.
Um outro ponto que chama a atenção é a atuação. Ainda sendo apenas uma parte do que o Docudrama propôs, há muita veracidade no trabalho dos atores. E isso pode ser verificado numa cena no último episódio, denominado “A Última Casa”. Nele, ocorre um diálogo entre dois personagens sobre uma família feita refém que chega a impressionar neste quesito. E tal cena é importante para entender alguns aspectos da trama, sobre como fatos convergiram para aquele momento. E a entrega dos envolvidos é excepcional. Parece que uma câmera realmente entrou naquela casa, em Ecaterimburgo, e gravou uma conversa que pode ter existido entre os dois personagens.
Polêmica em massa
A Revolução Russa, contexto em que Os Últimos Czares se insere, é um tema controverso por si só — seja na história, nos debates políticos e até entre leigos. Lênin, por exemplo, foi um dos responsáveis não somente pela conflagração em si e por trazer as ideias ao debate, mas também esteve no centro da própria tomada da decisão mais importante na temporada. Outras figuras foram Leon Trotsky e Josef Stalin, sendo o último governante da Rússia por algumas décadas posteriores. Personagens polêmicos. Fatos mais polêmicos ainda.
No entanto, o trabalho não cai na mera dicotomia de se tratar a revolução como uma simples questão política ou puramente econômica. Fica nítido que Nicolau II cometeu uma sucessão de erros e confiou em pessoas que não deveria. E isso não só nas encenações, mas na fala dos historiadores. Não há lado certo ou errado aqui.
Nada de dicotômico — portanto, também não há vilões ou mocinhos. O Czar tomou atitudes tão cruéis quanto aquelas que os Bolcheviques também poderiam tomar. Ele tinha uma família linda; tão bela quanto qualquer outra família na Rússia poderia ser. Os soldados que perderam a vida lutando pelo Imperador? Pois estes também tinham familiares encantadores. Logo, até para os que menos conhecem a história, é possível sentir empatia por qualquer um deles.
Limites
Você gosta de documentários? Gosta de dramas? História? É curioso(a) ou apenas quer assistir a um programa de qualidade?
Se respondeu “sim” a pelo menos uma das perguntas acima, pode apreciar sem medo. Todo o enredo de Os Últimos Czares é conduzido de um modo que, até mesmo no momento mais triste, o telespectador torcerá para que o que ele vê não seja real.
No fim, fica uma reflexão muito importante: até que ponto deve-se responder fogo com fogo? Qual é o limite da busca pela igualdade em todos os âmbitos? E por fim, qual é a diferença entre justiça e vingança?
Agora dá play aí.